O que sou toda a gente é capaz de ver;
Mas o que ninguém é capaz de imaginar é até onde sou e como

Miguel Torga

sexta-feira, 14 de março de 2008

Fingir que está tudo bem


...Fingir que está tudo bem:
o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas;
Fingir
que está tudo bem:
olhas-me e só tu sabes; na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite; as pessoas não imaginam; são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis; as pessoas falam e não imaginam; nós olhamo-nos;
Fingir que está tudo bem:
o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábios a sorrir; será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer?; olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer; amor e morte;
Fingir que está tudo bem:
ter de sorrir;
um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.


José Luis Peixoto

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